Sobre a Lei Paulista n.º 13.160/2008
Em continuidade ao artigo publicado referente à possibilidade de protesto de taxas condominiais (no. 22), apresentamos com este algumas novidades e detalhamentos relativos à matéria. Tem-se claro que esta lei busca atender a expectativa da sociedade em razão principalmente da diminuição da multa pelo atraso no pagamento de até 20% para 2% trazida pelo Código Civil em 2003, que gerou um aumento no índice de inadimplência das taxas condominiais. Muito já se tem discutido a respeito, sendo, além da operacionalidade deste encaminhamento, um dos principais focos a possibilidade de discussão da (in)constitucionalidade da nova legislação estadual. Esta nova lei altera outra lei paulista que tem como objeto principal a fixação de valores para os emolumentos cartorários e não a inclusão de títulos protestáveis, de onde pode resultar na declaração de sua inconstitucionalidade. É de se afirmar que a nova lei, conforme ensinamento de Pontes de Miranda, trata-se de norma heterotópica, ou seja, legisla sobre tema alheio ao seu objeto. O artigo 22, inciso I da Constituição Federal determina a competência exclusiva da União para legislar sobre direito civil e comercial entre outros e o inciso XXV do mesmo artigo inclui no rol da exclusividade, legislar sobre os registros públicos e, neste sentido, a sujeição das despesas condominiais ao protesto é matéria de direito civil, portanto competência da União. Para o tema dos protestos existe a Lei Federal n.º 9.492/97 que traz expressa em seu artigo 1º a definição do protesto de títulos como sendo o ato formal e solene destinado a provar a inadimplência e descumprimento de obrigação originada de títulos e outros documentos de dívida, constituindo o devedor em mora. É na parte final da definição que encontramos a possibilidade de se levar a protesto, quaisquer documentos de dívida, discriminando uns e indicando “e outros” para sua instrução, o que fez efervescer o tema na busca da definição de quais seriam estes “outros documentos”. Segundo o ilustre jurista Theóphilo de Azeredo Santos “documentos de dívida são todos aqueles em que há, inequivocamente, a indicação de relação de débito e crédito entre instituições financeiras, sociedades comerciais, industriais, agrícolas ou de serviços e, também, entidades civis e seus clientes (compradores ou usuários) e, ainda, entre pessoas físicas.” Tais documentos devem estar revestidos de exigibilidade e liquidez. É de se inferir a necessidade de classificar e estabelecer o instituto do “condomínio”, ainda encarado pelo Judiciário como ente de natureza jurídica dúbia, mas este tema é seara de outras discussões. Neste mister seria incabível o protesto apenas do boleto bancário da taxa condominial, vez que este documento é declaratório e não constitutivo de um direito líquido e certo, estando sujeito ao princípio constitucional do contraditório em ação judicial própria, qual seja, a ação de cobrança de encargos condominiais que segue o rito sumário determinado no Código de Processo Civil. Caso o boleto tivesse as características de exigibilidade e liquidez, poderia obviamente ser ajuizada diretamente uma ação executiva de título extrajudicial, o que em princípio não é possível. Voltando ao tema da nova lei bandeirante, deve-se observar que a Lei Federal n.º 10.169/2000 dispõe sobre as normas gerais para a fixação de emolumentos aos atos praticados pelos serviços notarias e de registro, delegando aos estados sua valoração, de acordo com a natureza pública e o caráter social destes serviços. A Lei Paulista n.º 11.331/2002 dispõe sobre o valor destes emolumentos, trazendo em seu elenco, tabelas anexas que, por sua vez, possuem em seus dispositivos, notas à estes explicativas. A nova Lei Estadual n.º 13.160/08, veio alterar o disposto nos itens 7 e 8 das notas explicativas da tabela IV da Lei n.º 11.331/2002 que cuida dos tabelionatos de protestos. Verifica-se que caminho tortuoso utilizou-se o legislador estadual para tentar atender o anseio da sociedade, incluindo no item “7” os créditos condominiais oriundos de quotas de contribuição mensal e multas aplicadas por infração, além de créditos da relação locatícia. Repita-se, o objeto dos dispositivos insertos nas três leis citadas visam a fixação de emolumentos cartorários e não a criação de matéria de direito civil, incluindo como título protestável algo que nem título é. A partir destas premissas, tem se aventado que, assim como nos estados do Rio de Janeiro e do Mato Grosso do Sul, com base na Lei Federal n.º 9492/97, caberia à Corregedoria Geral de Justiça, mediante resposta a consulta efetuada por um tabelião de protestos, discriminar e detalhar os documentos necessários para caracterizar a dívida condominial como “outro documento de dívida”. Neste aspecto ainda não está claro aqui em São Paulo quais documentos seriam necessários. Segundo consulta às decisões das corregedorias fluminense e sul-matogrossense, certamente deverão ser apresentados no Estado de São Paulo, em cópias autenticadas: ata de assembléia geral contendo aprovação da peça orçamentária anual para despesas; ata de assembléia com aprovação de eventuais gastos; ata de assembléia onde tenha sido eleito o síndico; convenção condominial; os boletos ou recibos das dívidas rateadas; certidão de matrícula imobiliária da unidade; escritura pública de compra e venda mesmo não registrada no cartório de imóveis. Quanto às multas infracionais, uma vez havendo deliberação assemblear que faça constar da ata o valor da multa não deverá haver qualquer óbice. Recomenda-se portanto sua aplicação ou ratificação pela assembléia e não apenas pelo conselho ou mesmo só o sindico. Para garantia e segurança jurídica, é de se afirmar que esta aceitação para o protesto deverá ficar, por ora, condicionada ao critério dos cartórios e a jurisprudência nos próximos meses trará esta clareza. Por outro lado, quando houver por parte da Corregedoria um provimento específico que inclua os valores devidos ao condomínio como documento de dívida, a nova lei restará quiçá inócua, desnecessária. Em conclusão, o que possibilitará o protesto dos encargos condominiais será um provimento da Corregedoria Geral de Justiça, com fundamento na Lei Federal n.º 9.492/1997 que trata dos documentos sujeitos a protesto e não na Lei Estadual n.º 13.160/2008 que versa sobre valores de emolumentos e incluiu matéria estranha ao seu dispositivo. Todavia vemos ainda alguns cuidados necessários em sua aplicabilidade. É importante destacar alguns aspectos que consideramos negativos quanto ao protesto de créditos devidos ao condomínio. Não se trata de fazer o papel de “advogado do diabo”, mas de tentar esclarecer neste torvelinho de discussões, os problemas que poderão advir do ato de protesto aos condôminos devedores, ao síndico, ao condomínio e mesmo ao administrador predial. Primeiramente indicamos que, como todo título protestado, este também estará sujeito às ações de sustação de protesto que, via de regra, são medidas preparatórias para ações de inexigibilidade de débito, que acarretam, entre outras conseqüências, a suspensão da dívida, que não poderá ser cobrada judicialmente em ação própria enquanto perdurar a discussão na ação movida pelo condômino com título protestado, engessando assim a condução financeira do condomínio. A ação de sustação de protesto poderá atacar a validade do título, argüindo exemplificativamente da inconstitucionalidade da lei, o que eventualmente resultará na declaração de nulidade do título e, incidentalmente, na inconstitucionalidade da lei paulista. Outra alegação do devedor poderia ser a de que realizou o pagamento, total ou parcial, ainda que de forma irregular – depósito ou transferência bancária em conta do condomínio ou do administrador predial, o que enseja um controle rígido e exato das contas indicadas, media esta que quiçá seja um ganho efetivo para o setor – obrigar a organi
zação detalhada da documentação condominial, mormente o cadastro dos proprietários. Ponto importante a ressaltar, não por mero apego ao direito, mas pelas questões de fato que certamente se apresentarão, é o tema da responsabilidade civil que pode vir a ser imputada ao síndico, ao condomínio e ao administrador predial. O síndico está sujeito a ser demandado por abuso de direito, ou seja, por causar lesão a direito alheio, no exercício regular de seu direito, mas de maneira a exceder os limites dos fins econômico e social.
=> leia mais… (http://www.mrwadvogados.adv.br/mrw/msg_noti.asp?codigo=50)
MICHEL ROSENTHAL WAGNER
Advogado em São Paulo, especialista em Direito Imobiliário e Contratos
